11: Desrotina

Com Sara, as coisas eram complicadas. Muitas crianças e bocas para alimentar, mas todos comiam bem e eram felizes. A mãe era uma pérola preciosa e conseguia realizar todas as suas tarefas, mas agora Maria comia a pamonha sozinha e ainda por cima não tinha gosto bom. O amor existe, mas o egoísmo também. Fica mais forte o mais alimentado. Se mata, deixando com fome. A pamonha estava alimentando o egoísmo de sentir falta de algo que alguém oferecia, e não alguém. Mas qual seria a graça da vida se não pudéssemos deixar nossas marcas de alegria no coração das pessoas em forma de pamonha? Vai e vem pamonhas, mas a vida permanece mesmo depois de finalizada. As atitudes são marcas eternas. A morte não pode apagar da memória de Maria as doces pamonhas de Sara. A pamonha também estava alimentando a saudade de alguém especial que também oferecia algo bom.

O galo cantava cedo e o padrinho Severino, mais conhecido como Padrin Biu, iria visitar Sebastião. Todas as meninas andavam de saia até o joelho, quando a esposa dele entrou pela porta da sua casa, Maria admirou essa linda saia da esposa do Padrin Biu.

Depois do almoço estavam sentados na frente da casa olhando a rua e comendo sobremesa. Do lado ficava o puleiro onde religiosamente as galinhas faziam culto as seis da manhã e seis da tarde. 

Maria pegou caxumba nesse dia e ficou uma semana sob efeito de remédios naturais. Depois ela pegou catapora e por fim sarampo. Posteriormente a esses ocorridos, Celina pegou paixão e ouviu uma história de que estavam recrutando novos trabalhadores em Brasília para o desenvolvimento da cidade de forma absolutamente segregacionista, mas dessa última parte ela não sabia. Cogitou mudar de cidade com o varão. Edgar o nome dele.

Na outra manhã, enquanto Celina cuidava da sua vida, Maria buscava aprimorar seus talentos culinários na livre espontânea pressão:

-Filha, hoje os boia fria vão vir e você vai fazer o almoço pra eles. 

-Vou buscar lenha.

Maria foi buscar lenha e voltou. Colocou o feijão na panela com pedaços de carne e foi resolver as outras coisas que precisava.

Eram 10 horas da manhã, faltava 1 hora para levar o almoço para os trabalhadores que desfrutavam dos seus 100 mL de café que enchiam suas barrigas. 

-Eu esqueci de ligar o fogo.

Estava declarada a corrida! Maria se estressa e chora, Celina pega o fogo e acende, Fátima critica e ri, os meninos dão trabalho e atrapalham, Maria acende mais o fogo e ajeita a panela, Celina ora para Deus abençoar a comida para ela cozinhar mais rápido, Fátima diz que vai dar certo porque o feijão tinha ficado de molho por muito tempo, elas terminam as outras comidas e desligam as panelas, Maria come um pouco do feijão e diz que estava cozido, 11 horas da manhã, Celina ajuda no tempero e grita que vai dar tudo certo, Maria resmunga e lamenta, se desespera e diz que não havia dormido direito, Fátima pega alguns ingredientes e vai embora adiantada e sozinha, Celina ajuda Maria, Maria termina nas pressas o tempero e os pedaços de carne pré preparados, elas pegam as panelas e levam para os trabalhadores, os trabalhadores comem e se fartam, elogiam as meninas e andam em cima delas, Celina ignora, Maria neta de índia é brava e não ignora, oprime, duas horas da tarde.

-Celina, você vai embora mesmo? -Lourdes.

-Amo Edgar, vou para onde ele for.

-Ainda bem que eu não tenho namorado. 

-Mentirosa.

-Eu perdi. 

-Qual deles?

-Todos. 

-Voce é muito bruta e fria. 

-Sou mesmo. Mas eu estava em uma festa me divertindo. Papai não deixa eu ir para casa de todo mundo, só da minha avó. Como arranja namorado assim! Namorando escondido não vai a lugar nenhum não...
-O problema não é papai, é você que tem que aprender a cuidar do garoto que você ama e aceitar ele do jeito que ele é. Deixa disso, parece índia! Não se pode bater na cara das pessoas nem ser brava desse jeito!
-Mas não fiz isso.
-Não fez com esse, mas já fez com outros.
-Homem não presta, eles já me traíram. Lembra daquele garoto ano passado passado passado que me visitava todo dia de cavalo...
-Lembro.
-Onde será que ele está!
-Deve ter ido para a cidade.

Vale destacar que o namoro daquela época era conversar com um garoto a sós e olhar para o fundo dos olhos da pessoa.

-Sabe o que aconteceu? - Maria
- Am...
-Cleonice foi abandonada pelo Jorge porque ele descobriu que ela não é virgem. 
-Valeime! Ela não é virgem! - Celina
-Graças a Deus todas nós somos.
-Vou casar com Edgar e vou me embora para Brasília, Lourdes.

Lourdes olhou para Celina como alguém que ama e não quer ver a pessoa partir, mas o coração de Celina pertencia a Edgar. Amar é escolher amar. Mas amar é escolher deixar partir também. Não podemos ter todas as pessoas nas mãos, mas podemos olhar nos seus olhos e chorar lágrimas confusas, aceitar pontos finais. Se esforçar em não lembrar. Deixar secar o recipiente dos olhos e encher o coração de ... eu não sei. De reticencias. Encher o coração de reticencias. Vários pontos finais insatisfatórios.