6: Isaura

Sara estava grávida. Começou a sentir fortes dores enquanto costurava roupa de boneca. Não aguentou se segurar e foi caindo, chamava por alguém, mas não tinha ninguém em casa. Sua cabeça esquentava, suava, estava incomodada com o suor no corpo todo. Então ela acordou. Foi um sonho. Ela não iria morrer só e grávida. Sebastião respirava ao seu lado... Agradecia a Deus pela vida e pela família em um Pai Nosso e três Ave Maria. Era uma mulher boa, mansa e de fé. Era muita coisa que nenhum livro vai contar, porque existem coisas que sobreviverão em segredo até morrerem no esquecimento. Sara tem sua parte nesse silêncio. Também não tenho todo esse direito de biografia sem privacidade. 

A parte da gravidez era verdade. Nesse dia tinha ido fazer queijo com as amigas e cunhadas. Cada uma levou uma coisa, juntas cozinharam o dia todo para os meninos e os homens, além do queijo. Acordaram cedo, onze horas almoçaram, quatorze horas lancharam e sete horas jantaram. Costume. Os meninos eram gordinhos e felizes. 

O pai foi vender gado com alguns dos filhos mais velhos. Lourdes era a mais velha de todas, mas não fora. Coisas de homem. Coisas de cultura. 

Lourdes estava chateada. Sua mãe queria saber apenas o porquê.

- Cê não custura rôpa de boneca pra mim. Só pra Eunice.
-Porque não me disse antes?

Sábado. Dia de matar galinha. Semana inteirinha não comiam carne. Final de semana era dia de matar galinha. Cena terrível, mas com a prática perde-se o pudor. Desse sábado era difícil, a galinha correu que uma beleza. Depois, cercaram ela, pegaram pelo pescoço, mataram com uma lapada na guela. Deixaram de cabeça para baixo, com as pernas amarradas. O sangue escorreu, depenaram, despedaçaram, escaldaram, temperaram e deixou marinando. Marinar é descansar para pegar gosto. Quem foi essa tal de Marina? Infelizmente estou sem 3G, não vou pesquisar. Ficaremos sem esse conhecimento por hora. Voltemos a galinha.

A galinha acordou salgada. Cozinharam com bastante caldo e tomate. Colocaram batata, angu de milho, tutu de feijão na mesa. Farinha de mandioca, limão e suco de caju, ever and ever. Copos diferentes, pratos de plástico, outros de alumínio. Colher, alguns garfos. 

Passou um tempo. 3 meses. 5 meses. 7 meses. A barriga ia crescendo e as meninas iam contando para toda a vizinhança como era sentir os chutes do bebê. Os vizinhos por sua vez prescreviam os rémedios:

-Não anda descalço senão vai ter muita cólica!
- Não pode cortar o cabelo durante a gravidez que minha nora disse que perde nutriente e o nenêm fica com anemia.
-Toma babosa. Faz bem pra unha.

9 meses.

Celina e Fátima gostavam de espiar pela janela. A cada parto elas vibravam. Era como assistir a um gol de copa. O sentimento de apreensão, medo de perder. Quando falavam o sexo da criança tratavam de escolher o nome.

Era menina. Isaura.

Foram muitas visitas na casa deles. Era muito paquerada. Trouxeram roupas, sapatinhos feitos de crochê... Compraram perfume. A Sara agora estava mais quieta, ficou as primeiras semanas com a companhia das noras e da sogra. Elas ajudaram a limpar a casa, fazer comida para a multidão de gente, lavar roupa. Foi uma boa época. Eram todos tão simples e felizes.

Era madrugada, Sara levantou. Isaura não parava de chorar. Tentou adormecê-la, em vão. Ela era fraca. Não mamava direito. Não era um bebê saudável.

Foi um luta todas as madrugadas, até que se completaram 2 meses e 2 semanas de vida. Ela começou a reagir. Levaram no posto. Disseram que tinha que ir para a cidade grande. Médico de atestado. Falta de preparo da equipe. Não sei. Terá que pedir outra opinião. Volta para casa e reza.

Sara rezou 3 terços por dia e Isaura sobreviveu mais duas semanas. Depois não se tinha mais por quem orar.



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