4: Boneca de pano
As crianças eram impossíveis. Elas choravam de mais. Coitada da Sara. As meninas principalmente, eram muito pequenas e escandalosas. Os irmãos muitas vezes judiavam dos sentimentos e tiravam a paciência da Lourdes. Ela era a mais velha e muito ajudava sua mãe. Brincava de mais também. Amava um animal de estimação.
Uma vez estava brincando com seus primos no mato e achou uma rolinha. Pegou ela e levou para casa. Cuidou dela até que seu pai matou para comer. Eles comiam muito dessas coisas. Era comum. Lourdes achava gostoso como frango. Ela criou mais passarinhos além desses. Comeu muitas rolinhas também. Os homens matavam muitas naquela época.
Uma vez criou um pássaro preto preto preto. Corvo. Hoje em dia é proibido criar ele. Ela o amou de mais. Dava de comer e beber para o pássaro grande. Ele cabia mais que numa mão. Um dia foi uma visita lá na casa dela e achou o bicho bonito, queria um igual. Olhou ele com o conhecido "olho gordo" que quando ele foi embora o pássaro estava morto no chão, duro duro duro- não sei se é lenda, mas é história da minha avó. Mesmo que fosse apenas história, inveja nunca vai ser bom seja em fábulas ou fatos reais. Foi-se Cancão. Agora ao ir na mina pegar água não tinha mais passarinho pulando e seguindo Maria...
Ela também já teve um porquinho. O nome era branquinha. Seguia a Maria onde quer que fosse. Ela saía de casa e a branquinha ia atrás. Nunca conseguia despistar, tinha de bolar um plano. Saía por uma porta, a enganava, voltava pela outra porta, trancava a casa... Qualquer coisa que fizesse a porquinha ficar em casa e deixar Lourdes sair.
Agora ela tinha a sua cabra. Tomava do leite dela todo dia. O leite era tão forte que demorava anos para pegar sequer gripe. Nunca existiu na vida da minha avó esse negócio de hospital. quando teve sarampo, catapora e caxumba o remédio era repouso em casa. Ela tomava os xaropes, chás de não sei o quê e pronto, estava curada. O que aconteceria mesmo seria lá na frente, um problema chamado velhice. Normal, todos pegam velhice igual catapora, se tiver sorte.
Quando ela ficou maiorzinha foi cansando dos estrupícios infantis dos irmãos. Vivia mais na casa da avó. Ela morava meio longe de sua casa. Lá comia, bebia, conversava e brincava. Era muito menino na casa de seus pais. Quase não ficava mais em casa por falta de paciência.
Maria comeu a comida da avó e foi buscar água no tanque. Era lá onde pegavam a água sempre. O tanque era de fato da sua avó. Ela usou da água para tomar banho. Jogava um pouco na sua cabeça com a cuia, uma espécie de pote de casca de fruta seca, a cabaça. Era pequena e parecia madeira, só que muito mais resistente. Não tinha banheiro em sua casa, mas na da vovó tinha um quarto específico para higiene.
Depois de banhar, foi ver vovó costurar. A Eunice estava lá, sua irmã que era criada pela avó. Os tios viviam lá para deixar comida de presente, a Sara levava roupa de boneca que tinha costurado para Eunice, leite de encomenda, menino nos cavalos procurando a quem namorar. Era uma típica vida nordestina.
Quando Maria voltou para casa, uma semana depois, chegou quase de noite. Seu pai encheu baldes de água para todos lavarem os pés e pôs todos a se limpar. Andavam o dia todo no barro, antes de ir dormir lavavam os pés. Não tomavam banho com a frequência que nós hoje em dia. Então, para não dormirem sujos, limpavam os pés antes de deitar.
Lavando os seus próprios pés Maria viu as suas rachaduras. Seu chinelo por vezes quebrava e ela ficava sem sapato por semanas, até ter o dinheiro para ir na cidade comprar. Enquanto isso, andava descalço no sítio. Se o clima já era seco, imagina como o pé sofreu somado à falta de chinelo. Estava muito rachado e ferido. Mostrava para sua mãe, passava algum remédio natural. Nada além da velha medicina não alternativa, mas necessária e emergencial.
Na outra semana os meninos estavam impossíveis. Era o dia todo brigando.
Maria passou a semana inteira sofrendo bullying pela rachadura do pé. Quando foi na cidade comprar o chinelo o povo olhava para os pés dela e dizia que estava tão rachado que dava para plantar uma batata. Isso porque quando batatas são tubérculos que quando nascem dentro do chão rachando-o. Esse é o ponto de colheita da verdura.
No domingo, saíram todos juntos e arrumadinhos para a missa, pontualmente como em todos os domingos. Foram de pé e voltaram de pé.
- O que o padre falou hoje na missa, hein? Prestando atenção? - Sebastião
-Não sei! Quem é que sabe falar latim aqui? Sei nem falar português direito! - Lourdes
Maria pegou a boneca para brincar. Tinha as mãos de pano perfeitas, presente da tia Maria. Era um ouro, se bem que valia mais que ouro. Nada podia pagar esse presente. Pela tarde um dos irmãos de Maria pegou a sua boneca de pano e correu para o mato.
-Volta aqui! Me dá minha boneca! Menino mal!
Rasgaram a boneca dela. Rasgaram tudo. Cabeça, braço, roupa e o coração da Lourdes.
Uma vez estava brincando com seus primos no mato e achou uma rolinha. Pegou ela e levou para casa. Cuidou dela até que seu pai matou para comer. Eles comiam muito dessas coisas. Era comum. Lourdes achava gostoso como frango. Ela criou mais passarinhos além desses. Comeu muitas rolinhas também. Os homens matavam muitas naquela época.
Uma vez criou um pássaro preto preto preto. Corvo. Hoje em dia é proibido criar ele. Ela o amou de mais. Dava de comer e beber para o pássaro grande. Ele cabia mais que numa mão. Um dia foi uma visita lá na casa dela e achou o bicho bonito, queria um igual. Olhou ele com o conhecido "olho gordo" que quando ele foi embora o pássaro estava morto no chão, duro duro duro- não sei se é lenda, mas é história da minha avó. Mesmo que fosse apenas história, inveja nunca vai ser bom seja em fábulas ou fatos reais. Foi-se Cancão. Agora ao ir na mina pegar água não tinha mais passarinho pulando e seguindo Maria...
Ela também já teve um porquinho. O nome era branquinha. Seguia a Maria onde quer que fosse. Ela saía de casa e a branquinha ia atrás. Nunca conseguia despistar, tinha de bolar um plano. Saía por uma porta, a enganava, voltava pela outra porta, trancava a casa... Qualquer coisa que fizesse a porquinha ficar em casa e deixar Lourdes sair.
Agora ela tinha a sua cabra. Tomava do leite dela todo dia. O leite era tão forte que demorava anos para pegar sequer gripe. Nunca existiu na vida da minha avó esse negócio de hospital. quando teve sarampo, catapora e caxumba o remédio era repouso em casa. Ela tomava os xaropes, chás de não sei o quê e pronto, estava curada. O que aconteceria mesmo seria lá na frente, um problema chamado velhice. Normal, todos pegam velhice igual catapora, se tiver sorte.
Quando ela ficou maiorzinha foi cansando dos estrupícios infantis dos irmãos. Vivia mais na casa da avó. Ela morava meio longe de sua casa. Lá comia, bebia, conversava e brincava. Era muito menino na casa de seus pais. Quase não ficava mais em casa por falta de paciência.
Maria comeu a comida da avó e foi buscar água no tanque. Era lá onde pegavam a água sempre. O tanque era de fato da sua avó. Ela usou da água para tomar banho. Jogava um pouco na sua cabeça com a cuia, uma espécie de pote de casca de fruta seca, a cabaça. Era pequena e parecia madeira, só que muito mais resistente. Não tinha banheiro em sua casa, mas na da vovó tinha um quarto específico para higiene.
Depois de banhar, foi ver vovó costurar. A Eunice estava lá, sua irmã que era criada pela avó. Os tios viviam lá para deixar comida de presente, a Sara levava roupa de boneca que tinha costurado para Eunice, leite de encomenda, menino nos cavalos procurando a quem namorar. Era uma típica vida nordestina.
Quando Maria voltou para casa, uma semana depois, chegou quase de noite. Seu pai encheu baldes de água para todos lavarem os pés e pôs todos a se limpar. Andavam o dia todo no barro, antes de ir dormir lavavam os pés. Não tomavam banho com a frequência que nós hoje em dia. Então, para não dormirem sujos, limpavam os pés antes de deitar.
Lavando os seus próprios pés Maria viu as suas rachaduras. Seu chinelo por vezes quebrava e ela ficava sem sapato por semanas, até ter o dinheiro para ir na cidade comprar. Enquanto isso, andava descalço no sítio. Se o clima já era seco, imagina como o pé sofreu somado à falta de chinelo. Estava muito rachado e ferido. Mostrava para sua mãe, passava algum remédio natural. Nada além da velha medicina não alternativa, mas necessária e emergencial.
Na outra semana os meninos estavam impossíveis. Era o dia todo brigando.
Maria passou a semana inteira sofrendo bullying pela rachadura do pé. Quando foi na cidade comprar o chinelo o povo olhava para os pés dela e dizia que estava tão rachado que dava para plantar uma batata. Isso porque quando batatas são tubérculos que quando nascem dentro do chão rachando-o. Esse é o ponto de colheita da verdura.
No domingo, saíram todos juntos e arrumadinhos para a missa, pontualmente como em todos os domingos. Foram de pé e voltaram de pé.
- O que o padre falou hoje na missa, hein? Prestando atenção? - Sebastião
-Não sei! Quem é que sabe falar latim aqui? Sei nem falar português direito! - Lourdes
Maria pegou a boneca para brincar. Tinha as mãos de pano perfeitas, presente da tia Maria. Era um ouro, se bem que valia mais que ouro. Nada podia pagar esse presente. Pela tarde um dos irmãos de Maria pegou a sua boneca de pano e correu para o mato.
-Volta aqui! Me dá minha boneca! Menino mal!
Rasgaram a boneca dela. Rasgaram tudo. Cabeça, braço, roupa e o coração da Lourdes.
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